É com imenso prazer que (Re)vista Gradiva convida Rafael Infante, ator, humorista, estudioso, filho e irmão de psicanalistas para uma breve entrevista.
Rafael está em cartaz no Rio de Janeiro com a peça Terapia Infernal, no Teatro das Artes, de 27 de junho a 27 de julho de 2025. Nela, ele é Lúcifer, para os íntimos, Lucinho, que organiza uma volta à Terra para acertar contas com os humanos. Em nome dele, a humanidade tem feito barbaridades que ele considera terem passado muito do razoável. Completamente frustrado com o que fizeram de suas dádivas, ele se deita em um divã, choramingando suas mazelas, assumindo suas responsabilidades, separando obra e autor. Nesse contraponto entre o razoável e o absurdo, Rafael nos faz rir, e muito, ao mesmo tempo em que, em sua sussurrada voz de denúncia, entrega uma crítica contundente ao contemporâneo. Só não escuta quem não quer.
Revista: Uma das formas de interpretar a figura mítica do Diabo, psicanaliticamente, é associá-lo à vida inconsciente. Ou seja, o que recalcamos retorna projetado na figura do Diabo. Ao invés de reconhecer os sentimentos dentro de si, o sujeito atribui a uma força externa maligna. Na sua peça, você dá vida ao Diabo para devolver essa projeção aos humanos e fazer o público refletir. Há diferença entre a função de um psicanalista e um artista? O que te ocorre sobre essa questão?
O que me ocorre sobre essa questão, a princípio, é a diferença do comprometimento em relação à transferência. No meu caso, acho que ela se dá na sessão da peça e ali se encerra. Tenho recebido muitos comentários de pessoas que vão à peça e dizem que passam dias pensando nos temas. Acredito que estes temas fiquem depois descolados da minha imagem de ator. Talvez em alguma medida o ator seja mais mártir do que um psicanalista no setting e o psicanalista muito mais corajoso de sustentar em sua imagem, no mesmo horário e local, por tanto tempo algo, para aí sim se deslocar. Ao meu ver, são primos irmãos.
Revista: A “terapia” escolhida para o diabo na sua peça é a Psicanálise. Por que? Qual sua história com a Psicanálise? Você já fez ou faz análise?
A terapia escolhida para ele na peça vem de minha vida pessoal e de uma escolha de narrativa. Me percebi, enquanto escrevia o texto, em um momento peculiar de muitas possibilidades de técnicas terapêuticas, com pouca ou nenhuma profundidade. E no meu trajeto pessoal, sempre fiz análise e nela via e continuo vendo o quão difícil e ao mesmo tempo aliviante é o divã.
A escolha na Psicanálise não ataca nenhuma outra terapia específica, mas levanta a questão de quais outras te levam até você de verdade, sem performance.
Como a peça vai ganhando contornos a cada apresentação e minha vida segue, tenho me interessado bastante também pela ideia de que se o eu é uma construção capaz de se analisar, quem é esta entidade que analisa? Coloquei no texto. E tenho meditado muito sobre.
Revista: Podemos dizer que sua análise te levou a fazer essa peça? E o que da sua peça, levou para sua própria análise?
Sem dúvida, minha trajetória em análise me levou a fazer a peça. Uma estrada de mão dupla. Tanto com as questões pessoais como com as questões e perguntas sobre o mundo. Inclusive, levei para análise o que é ser ator, criativo e operante no mundo atual. Rápido, conectado e repetitivo. Acho que a resposta é o percurso.