O que aprendemos mesmo com a pandemia?
Que a ciência salva, inclusive quem a nega.
Pense no tanto de negacionista salvo pela vacina.
Porém a pandemia (re)ensinou que, na crise brava, o desespero e a angústia são maiores do que a racionalidade. Não fosse assim, não haveria a quantidade de negacionismos climáticos, políticos, de doenças, de notícias …
A ilusão (e a fantasia sintomática) de nos pensarmos bastante racionais faz acreditarmos que um computador hiperracional , a partir de uma IA, pode orientar a vida humana. E assim se criou um serviço pago de terapia online baseada na suposição da imparcialidade e objetividade, que pode ser acessado via WhatsApp, nomeado como Bia — criativo, por causa das iniciais de “inteligência artificial” no final; efetivo, já que no imaginário do consumidor espera-se um acolhimento feminino e maternal. Para uma vida com mais paz, satisfação e equilíbrio, apregoa-se. Terapia ilimitada 24/7, anuncia-se. Segura e empática, propagandeia-se. Uma escuta fundamentada em psicologia e neurociência, consagram. Mas e a pandemia, que escancarou nossas fantasias de objetividade produtiva e racional? Que apontou o furo e mostrou vazios, onde se supunham certezas inabaláveis?
De que vale a pretensa imparcialidade de uma escuta por IA se sua existência é toda ela baseada em afetos que se desconhece em grande medida? Para que serve a segurança e empatia de um robô, se não sou um robô? De que valem respostas imediatas para problemas provocados por perguntas que já mudaram de ontem para hoje? Drummond avisou:
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
O efeito terapêutico inicial de “ser escutado” por uma IA pode ser o mesmo obtido em uma visita a uma cartomante, a um culto, a uma xamã, a uma pedalada no grupo de bike, à sociabilização em um churrasco da galera do crossfit … Mas o que fazer com as perguntas que mudaram de ontem para hoje? Com a chave na mão que não abre mais porta nenhuma?
A psicanálise propõe o seguinte: uma escuta ativa, atenta e inédita. Realizada por um ser humano falho, emotivo, parcial, repleto de sintomas e que também passa pela análise. Sobretudo, um humano orientado por uma sólida corrente teórica de estudos psicanalíticos surgidos a partir de Freud, um médico neurologista, um cara da “hard science” da virada dos séculos XIX-XX. Porque a psicanálise é uma ciência, é um desses saberes orientados para o entendimento da angústia e das questões humanas, mas nada exato e zero previsível, ainda que baseado em uma enormidade de estudos que enfocam o inconsciente.
***Enquanto a ciência, com suas vacinas e tratamentos, nos salva mesmo da nossa própria negação, ela não abarca a complexidade da psique humana. A IA, por mais sofisticada que seja, permanece ancorada em algoritmos e dados, incapaz de alcançar as profundezas do inconsciente, território privilegiado da psicanálise. A busca por respostas rápidas e impessoais, como as oferecidas por uma terapia via IA, pode até proporcionar um alívio superficial, semelhante a outras práticas que oferecem conforto imediato. Contudo, para lidar com a constante mutabilidade das nossas perguntas, com a angústia existencial e com o desconhecido que nos habita, é imprescindível o encontro com a escuta humana, falha e parcial, mas profundamente conectada com a complexidade do ser. A psicanálise, longe da exatidão e da previsibilidade, oferece um espaço de exploração do inconsciente, reconhecendo a subjetividade e a singularidade de cada indivíduo, elementos essenciais para uma jornada de autoconhecimento e transformação que transcende a capacidade de qualquer máquina. A cura, portanto, não reside na ilusão de uma objetividade artificial, mas no encontro com a própria humanidade, com suas contradições e seus inevitáveis afetos.
***O último parágrafo foi escrito pela IA do Goolge, GEMINI, a partir do seguinte prompt: “Crie uma conclusão para o seguinte texto, fundamentando a incapacidade da inteligência artificial em alcançar o inconsciente humano”.
Autor: Aloisio Andrade Oliveira
Aluno e Praticante de Gradiva