“Pra que rimar amor e dor?”

11/03/2025

“Pra que rimar amor e dor?” – pergunta Caetano Veloso. Mas, poderíamos também indagar: quem ama sem padecer? Desde sua fundação, a psicanálise notabiliza a proximidade entre amor e dor. Em muitos escritos de Freud e Lacan, a dinâmica envolvida na perda do objeto primordial na infância evidencia, inequivocamente, o desamparo de cada sujeito: biológico, psíquico e simbólico. Ao alimentar o bebê, a mãe não apenas o nutre, mas também oferece amor, cuidado e proteção. Para o infans, não há distinção entre seu corpo e o da mãe, eles atuam amalgamados em um só. No momento em que percebe, então, que são separados, desponta a falta – marca da condição humana. O senso comum nos diz que o amor completa, mas, para a psicanálise, este revela, inversamente, a incompletude. Ao nos diferenciarmos do nosso primeiro objeto de amor, enfrentamos, então, o desamparo – dimensão decorrente da separação da mãe que reforça uma condição estrutural de ordem simbólica e que promove uma busca incessante por algo que sempre resta inacessível. Lacan assevera: “não há relação sexual” – isto é, nenhum laço nos restitui o objeto perdido e produz totalidade. Ainda assim, ama-se, experimenta-se e extrai-se algo do encontro com o outro – o que não se dá sem impasses, sobretudo para quem se inscreve no lado feminino da sexuação. Nesse sentido, a relação mãe-menina mostra-se especialmente complexa. Esta endereça à mãe a pergunta: “o que é ser mulher?”. Contudo, por não haver um significante que defina “A Mulher”, uma resposta não é viabilizada. Diante desse vazio, resta, assim, um enigma e, com ele, os dissabores do falasser e falta-a-ser. Até onde se vai por amor? Muitas vezes, por caminhos tortuosos, na tentativa de reencontrar aquilo que falta, pode-se ir longe demais e deparamos-nos ainda mais com nós mesmos. Talvez, por isso, amor e dor caminhem lado a lado, pois amar é (re)conhecer em si e no outro a parte que falta.

Texto de Sofia Maria Smid (praticante e aluna de Gradiva)