Psicanálise do Cotidiano – Carolina Cancela

17/06/2025

Hoje sem saber fui radical.
Tava ali, prestes a sair para fazer a compra de mês, naquela hora que minha filha tinha ido dormir. Dia cheio e a brecha se deu para fazer a bendita compra de mês. Eu, particularmente, amo fazer compra de mês. Para mim, hoje, é como um parque de diversões. Melhor ainda quando o mercado tem uma musiquinha boa ao fundo, da última vez que fui tava rolando um jazz delicioso inclusive. Chego no mercado, pego dois carrinhos e me jogo. Passo por todos os corredores e me animo toda ao lembrar que posso escolher. Escolher não é poder sair pegando tudo que me apetece e me atrai na hora. É escolher mesmo. Poder olhar, lembrar do que faz “um pouco de sentido”, o que minha família precisa, o que me faz bem, o que tem descido “redondo”. E renunciar o resto. O resto que já foi atraente demais e que hoje ou naquele dia não se comunica. Mercado e Vida. Não me parece tão distante. Vida Capital. Relações líquidas. Melhor mesmo é  ir ao mercado sem lista de compras. Quando conhecemos nossa casa, sabemos bem o que pode estar faltando ali e se faltar alguma coisa, gosto de lembrar da estante vazia que opera e faz função. Mas acontece que hoje, antes de ir, escolhi ficar. Não fui em busca do que precisava, daquela tal “obrigação” gostosa de se fazer. Dei meia volta. Olhei pro lado e vi o livro ” Escute as feras” de Nastassja Martin – Já leu?  Deitei na cama e comecei a ler. Fui radicalmente de uma prateleira de produtos necessários à prateleira de linguagens necessárias. Precisei disso. Dessa letra. Dessa pausa. Da radicalidade de ficar sem arroz na dispensa e com um pouquinho mais de novidade em vida. O radical tem seus dias. O feijão pode esperar mais um pouco. A vida não.

Autora: Carolina Cancela
Aluna/Comissão da Revista Gradiva.